quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Sala de Aula


Há algumas semanas atrás, logo no início da aula, uma de minhas alunas estava aos prantos. Fiquei preocupada e, é claro, procurei saber o motivo de tantas lágrimas.

- Meu amor, o que houve?

- "Fulana de Tal" morreu pró – mais lágrimas e cara de desespero total.

Pelo nome dado (mistura de nome internacional com marca de roupa), pensei que fosse um animalzinho de estimação, um cachorrinho por exemplo, mas não quis perguntar, poderia ser uma irmã ou a melhor amiga. Sei lá, fiquei com receio de errar e piorar ainda mais a situação.

- Morreu como? – Perguntei, já com cara de condolências.

- Ela foi assassinada pró.

- Hã? - Espanto da pró e mais perguntas para avaliar a gravidade do sofrimento da adolescente em lágrimas.

- Como foi isso? Era sua amiga, irmã, mãe, tia?

Nesse momento, foi a vez do espanto geral da turma com tamanha ignorância da pró em relação a notícia tão veiculada num tipo de programa, que eleva seus índices de audiência esmiuçando a miséria humana. Tipo de programa, aliás, que a pró aqui se recusa a assistir.

Mas, voltemos ao diálogo.

- Próoooooooooooo... "Fulana de Tal"!

Eu, me sentindo uma alienada completa, procurava nos recônditos de minha memória qualquer referência àquele nome, e nada. Decidi tentar adivinhar o que tão famosa pessoa fazia da vida. Pelo nome, acreditei que poderia ser uma cantora de funk carioca, dessas que colocam um shortinho, berram meia dúzia de besteiras e rebolam. Arrisquei perguntar se era.

- Era cantora de funk?

Olhos arregalados, risos e mais espanto da turma.

- Nãoooooooooooo pró. Era a namorada de "Sicrano".

Pronto, tinha matado a charada. "Sicrano" deveria ser um famoso jogador de futebol ou um desses cantores de pagode, que as adolescentes amam.

Arrisquei novamente.

- "Sicrano" é jogador de futebol ou cantor de pagode?

Dessa vez, mais risos e uma certa impaciência com tanta alienação da pró. Imperdoável!

- Não pró, "Sicrano" é traficante.

Pró perplexa... Aquele era o momento da Pró conhecer as informações sobre o crime.Meus alunos sabiam tudo sobre o "Sicrano" famosíssimo e, diante da enxurrada de reportagens sobre "Fulana de Tal" no tal programa, conheciam a vida da primeira dama do tráfico, desde o nascimento até o dia do enterro que, aliás, levou duas mil pessoas (?) ao cemitério.

Me refiz do susto e aproveitei o momento para conversar com eles sobre o assunto. Expliquei que ninguém merece morrer daquele jeito, mas tentei fazê-los refletir o porquê de "Fulana de Tal" ter acabado naquele mundo de drogas, prisões e sabe-se o que mais, que a fez morrer jovem e de maneira tão trágica.

Ao final desta reflexão, disse-lhes que, tendo certeza que eles não queriam levar aquele tipo de vida, não conseguia entender tanta admiração por "Fulana de Tal". Minha aluna, aquela que estava aos prantos, um pouco indignada com minha "falta de sensibilidade", olhou-me como se eu não estivesse entendendo o óbvio e disse:

- Eu só queria ter o corpo dela! – Mais lágrimas....

Pode???

É, meus amigos, vida de professora não é fácil não, ainda mais com  valores  tão invertidos.

9 comentários:

  1. Kátia,

    seu texto retrata fielmente a trágica realidade a que a mídia e a (des)informação expõe as pessoas. Que mundo estão construindo ao criar valores que só tem valor pra eles e incutir essas coisas na cabeça de pessoas em formação?

    Que inversão perigosa.
    São essa mentes ávidas em absorver que irão governar o mundo daqui a pouquinho, e não se tem o menor cuidado com o que estão propondo que elas absorvam. A regra é a do lucro. Tudo que dá lucro a mídia exacerba e faz a população engolir. Choquei-me com uma cena de criancinhas dançando fantasiadas de Amy Winehouse, mostrada na TV como algo sublime para homenageá-la após sua morte. Que ídolos e modelos estão criando para estas crianças?

    A única salvação são pais ainda lúcidos(poucos)que orientam e professores como você preocupados e cientes destes absurdos. Mas até quando? Já que daqui a pouco os pais e os professores serão as meninas e os meninos que hoje se fantasiam do ídolo que viveu para se destruir e que choram a morte da fulaninha de tal.

    Este assunto mexe comigo de tal forma que vc nem imagina. Fico faladeira rsrsrs

    Bom final de semana, beijos!

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  2. Inversão de valores total! A impressão que eu tenho é que eles vivem imersos em outra lógica. Pior é que a gente presencia isso diariamente e fica se perguntando o quê podemos fazer pra mudar isso.
    Como diria a prof. Amanda Gurgel: "Sou eu a redentora da educação?".

    bjo, amiga, adorei o texto!

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  3. Eiiiiiiiiiii....

    Que saudade,, ainda hoje pensava em ti... minha primeira amiga na blogosfera... e xará ainda... Espero que esteja tudo bem... seu texto demonstra a dureza de ter que viver a realidade né!!!

    bjsssssss meusssssssss

    CAtita

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  4. heheheheheheheh! Tive que rir, querida! Crianças nos colocam em cada situação! Somos ignorantes nesse idioma que tão bem dominam.

    Recebê-la me causa uma alegria enorme. Você é uma pessoa muito querida.
    Bjs.

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  5. sei muito bem o que é isso, sou dá área.
    Parece que a vida criminosa é excitante e junto com esse sentimento e falta de oportunidades, problemas familiares e garotos ou garotas se enfiam até não ter mais jeito.

    O que podemos fazer se existe um sistema canibalista, consumista, arriscado, fácil?

    o que podemos fazer pra lutar contra isso se é o resultado quase q momentâneo que querem?

    o que podemos fazer com palavras se a realidade é controversa.

    Impressionante, mas, tbm já vi coisas terríveis na época que era estagiário.

    o que o professor pode fazer hoje? Apenas em certas horas se tornar um "desconcertante"
    (...)

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  6. Kátia, queridona!
    De início, pensei que fosse um conto criado para o post e estava até achando engraçado. Mas, quando observei que era um fato, fiquei indignada. Não com a aluna, mas com os meios de comunicação que fazem a cabeça dessas crianças e adolescentes, despertando nelas valores onde não existe.
    Realmente não está sendo fácil ser educador/professor na época atual!
    Beijos, amiga (Você sempre deixa saudades com sua ausência). Tenha um lindo fds.

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  7. Creio que tenha passado um ciclone na cabeça das nossas crianças. Isto é triste!

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  8. Diante de tanta informação (útil ou inútil) as crianças só precisam de formação, ou conformação, como afirmou Lino de Macedo, numa entrevista. Assim, válido destacar o que fez...é preciso ajudar a (des)inverter esses nós...bj, querida!

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  9. Amiga bem sei o que passamos pois trabalhamos juntas!Essa febre da "fulana de tal" com o "sicrano" não ficou só na metrópole ,chegou com todo furor as cidades do interior.Trabalho em uma cidade pacata e fiquei horrorizada com a valorização para com o episódio fatidico!!! Meus alunos da zona rural....ah nem se fala...é amiga ..dias de pouca luz com valores tão invertidos !!!

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