segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Tudo novo de Novo


Semana passada mudei de endereço. Estou agora num apartamento maior, localizado num lugar tranquilo, diferente do outro, que se localizava num lugar meio esquisitinho e onde, muitas vezes, os amigos se perdiam tentando encontrar.

A mudança foi cansativa, mas à proporção que fui desarrumando lá para depois arrumar aqui, fui fazendo um caminho emocional de volta ao primeiro dia que entrei no antigo apartamento.

Lembrei-me de toda expectativa que cercava aquele contrato de aluguel. Naquela época, tinha decidido com alegria e amor que, depois de muito tempo sem acreditar em casamento, queria sim dividir minha vida com aquele homem, cuja simples presença, coloria minha vida. Aquele amor, que solicitava de forma urgente horas a mais de carinho, dormir e acordar juntos, ausências com certeza de presença e escovas de dente entrelaçadas, foi desconstruindo todas as minhas certezas e quebrando a minha sólida resistência em me lançar no mundo dos casados, mundo, aliás, com o qual o meu espírito livre e temperamento independente, jamais cogitaram passar ao largo, que dirá estar inserida novamente. Mas, a vida sempre me surpreende, e me encontrei toda derretida e boba com a ideia de compartilhar sentimentos e espaços com alguém que amava.

Infelizmente, nada aconteceu como planejamos. Ele se apaixonou por outra e eu fiquei curtindo minha dor de cotovelo sozinha, tendo como testemunhas as paredes daquele lugar. Fazer o que? Coisas da vida, que não entendemos, mas que somos obrigados a aceitar, como um remédio ruim que desce goela abaixo.

Neste meu caminho de volta, fui revendo cada momento que passei naquele espaço. Os dias de sofrimento, as inúmeras visitas carinhosas, os medos, os momentos de superação de obstáculos, as paixões loucas e desvairadas, como toda paixão é, as conquistas profissionais, as idas e chegadas de viagens, as noites insones, as lágrimas, as alegrias reveladas em gargalhadas, que são minha marca registrada... Cada parede daquelas, presenciou muitos capítulos de minha vida.

Quando a mudança partiu e o apartamento estava completamente vazio, sentei no chão e chorei. Chorei por vários motivos juntos: emoção por encerrar uma etapa e inaugurar outra, uma pontinha de tristeza por tudo que poderia ter sido ali e não foi, alegria por ter sobrevivido ao sofrimento e me encontrar agora inteira e feliz, com projetos novos, casa nova e Tudo novo de Novo.

Fechei aquela porta, deixando as decepções lá trancadas e entrei em minha morada nova com o pé direito, trazendo o aprendizado e a certeza que serei muito feliz neste meu novo espaço.

Assim seja!

"Todo mundo ama um dia, todo mundo chora,
Um dia a gente chega, no outro vai embora,
Cada um de nos compõe a sua história, cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz, e ser feliz."
                                                                              Almir Sater

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Sala de Aula


Há algumas semanas atrás, logo no início da aula, uma de minhas alunas estava aos prantos. Fiquei preocupada e, é claro, procurei saber o motivo de tantas lágrimas.

- Meu amor, o que houve?

- "Fulana de Tal" morreu pró – mais lágrimas e cara de desespero total.

Pelo nome dado (mistura de nome internacional com marca de roupa), pensei que fosse um animalzinho de estimação, um cachorrinho por exemplo, mas não quis perguntar, poderia ser uma irmã ou a melhor amiga. Sei lá, fiquei com receio de errar e piorar ainda mais a situação.

- Morreu como? – Perguntei, já com cara de condolências.

- Ela foi assassinada pró.

- Hã? - Espanto da pró e mais perguntas para avaliar a gravidade do sofrimento da adolescente em lágrimas.

- Como foi isso? Era sua amiga, irmã, mãe, tia?

Nesse momento, foi a vez do espanto geral da turma com tamanha ignorância da pró em relação a notícia tão veiculada num tipo de programa, que eleva seus índices de audiência esmiuçando a miséria humana. Tipo de programa, aliás, que a pró aqui se recusa a assistir.

Mas, voltemos ao diálogo.

- Próoooooooooooo... "Fulana de Tal"!

Eu, me sentindo uma alienada completa, procurava nos recônditos de minha memória qualquer referência àquele nome, e nada. Decidi tentar adivinhar o que tão famosa pessoa fazia da vida. Pelo nome, acreditei que poderia ser uma cantora de funk carioca, dessas que colocam um shortinho, berram meia dúzia de besteiras e rebolam. Arrisquei perguntar se era.

- Era cantora de funk?

Olhos arregalados, risos e mais espanto da turma.

- Nãoooooooooooo pró. Era a namorada de "Sicrano".

Pronto, tinha matado a charada. "Sicrano" deveria ser um famoso jogador de futebol ou um desses cantores de pagode, que as adolescentes amam.

Arrisquei novamente.

- "Sicrano" é jogador de futebol ou cantor de pagode?

Dessa vez, mais risos e uma certa impaciência com tanta alienação da pró. Imperdoável!

- Não pró, "Sicrano" é traficante.

Pró perplexa... Aquele era o momento da Pró conhecer as informações sobre o crime.Meus alunos sabiam tudo sobre o "Sicrano" famosíssimo e, diante da enxurrada de reportagens sobre "Fulana de Tal" no tal programa, conheciam a vida da primeira dama do tráfico, desde o nascimento até o dia do enterro que, aliás, levou duas mil pessoas (?) ao cemitério.

Me refiz do susto e aproveitei o momento para conversar com eles sobre o assunto. Expliquei que ninguém merece morrer daquele jeito, mas tentei fazê-los refletir o porquê de "Fulana de Tal" ter acabado naquele mundo de drogas, prisões e sabe-se o que mais, que a fez morrer jovem e de maneira tão trágica.

Ao final desta reflexão, disse-lhes que, tendo certeza que eles não queriam levar aquele tipo de vida, não conseguia entender tanta admiração por "Fulana de Tal". Minha aluna, aquela que estava aos prantos, um pouco indignada com minha "falta de sensibilidade", olhou-me como se eu não estivesse entendendo o óbvio e disse:

- Eu só queria ter o corpo dela! – Mais lágrimas....

Pode???

É, meus amigos, vida de professora não é fácil não, ainda mais com  valores  tão invertidos.

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